REFLEXÕES DO RETIRO COM EYAL SHIFRONI (PARTE 1)
Marcia Neves Pinto
Pela primeira vez no Brasil, Eyal Shifroni, um professor sênior de Iyengar Yoga doce, simples, acessível, divertido, inquisitivo e cativante, com 35 anos de estrada e quatro livros publicados sobre a prática de Iyengar Yoga com acessórios onde busca compartilhar os insights que teve durante sua prática do modo mais leal possível aos ensinamentos que recebeu da sua fonte de conhecimento, Guruji, começa nosso retiro dizendo que, se a ideia é de praticarmos yoga para diminuir os sofrimentos e se ao praticarmos nos sentimos sofredores, miseráveis, a prática não tem sentido.
Ele diz que. usualmente, a prática de yoga é iniciada por questões físicas, mas que, em algum ponto, a prática se torna mais importante nas nossas vidas e a integramos ao nosso dia a dia, culminando por levá-la para fora da salinha de prática. E afirma: é importante nos perguntarmos por que praticamos, quais nossos objetivos e, afinal, se estamos nos dirigindo para a meta do yoga. Mas qual é a meta do yoga?
Patañjali diz nos Yoga Sutras I.2 que yoga citta vrtti nirodah. Na leitura de Satchidananda, este sutra ensina que o aquietamento das ondas mentais é o objetivo do yoga porque, de regra, a mente é que nos controla, equivalendo ao servo controlando o mestre. Portanto, por meio da prática de yoga, estou me direcionando à aquietação dos meus pensamentos? Estou indo na direção de deixar as coisas mais focadas, mais lentas, estou me tornando mais paciente comigo mesmo, com os outros? Se por meio da prática não estamos nos tornando seres humanos melhores, há algo errado na nossa prática.
Yogananda ensina que chitta é um termo abrangente para designar o ato de pensar, que inclui as forças vitais prânicas, manas (mente ou consciência dos sentidos), ahamkara (princípio do ego) e buddhi (inteligência intuitiva). Satchidananda leciona que chittam é a soma total da mente, sendo a mente básica ahamkara, ou ego, o sentimento do Eu. O intelecto ou faculdade de discernimento é buddhi. A mente que deseja, que sente atração pelas coisas exteriores através dos sentidos é manas.
Se temos controle das alterações da mente, temos controle de tudo, porque as coisas externas não nos aprisionam, nem nos libertam, somente nossas atitudes perante elas fazem isso.
Na obra Light on the Yoga Sutras of Patañjali, B. K. S. Iyengar afirma que yoga é a neutralização das ondas que se alternam na consciência; é a cessação de todas as modificações da substância mental. Yoga é a arte de estudar o comportamento da consciência, que possui três funções: cognição, volição e ação. O yoga mostra formas de conduzir alguém ao estado imperturbável do silêncio que conduz ao assento da consciência. Yoga, então, é a arte e a ciência da disciplina mental através da qual a mente se torna refinada e madura. Se ahamkara (ego) é considerando uma ponta da linha, então antaratma (Eu Universal) é a outra ponta. Antahkarana (consciência) é o que unifica as duas pontas.
A prática do yoga integra uma pessoa através da jornada da inteligência e consciência desde o exterior até o interior, unifica a partir da inteligência da pele até a inteligência do eu, de modo que seu eu se funda com o Eu cósmico. Yoga, a contenção da flutuação do pensamento, conduz à quietude, que é a concentração (dharana), que leva ao silêncio, que é meditação (dhyana), que por sua vez conduz ao estado sáttvico (sabedoria). A concentração necessita de um foco, que é o eu individual. Quando a concentração flui para a meditação, este eu individual perde sua identidade e se torna um com o grande Eu.
O praticante de yoga é influenciado pelo seu eu de um lado e pelos objetos da percepção do outro. Quando ele se deixa absorver pelos objetos, sua mente flutua. Isto é vritti. Seu objetivo é distinguir o eu dos objetos, de modo que ele não se deixe envolver por estes. Através do yoga ele deveria tentar libertar sua consciência das tentações destes objetos e trazê-la para mais perto de si. Conter as flutuações da mente é o processo que leva ao objetivo final: samadhi.
Inicialmente, o yoga atua como o meio de contenção. Quando o praticante alcança o total estado de contenção, a disciplina do yoga foi cumprida e o final atingido: a consciência permanece pura. Deste modo, yoga é tanto o meio como o fim.
E por que é importante chegar à aquietação da mente? Porque nos traz mais consciência acerca das coisas, dos outros e de nós mesmos, assim acarretando maior clareza e mais sabedoria. Quando nos aquietamos podemos refletir e perceber quem realmente somos.
No volume 8 da Astadala Yogamala podemos ler na Introductory Message (págs. 17 a 25) Guruji dizer que no momento em que pratica, se torna muito inquisitivo, embora se mantenha inocente e que essas características permitem que ele desfrute as coisas que vêm à tona durante a prática. Enquanto ele pratica, sua mente permanece atenta e completamente quieta, mas seu corpo age dinamicamente com atenção. Ele diz que todos já devem ter visto seu caráter com a qualidade do elemento fogo quando ele ensina, mas não enquanto ele pratica e que pode ser surpreendente como ele permanece suave enquanto pratica. Acrescenta que, se ele fosse duro em seu corpo e mente, provavelmente a elegância e beleza de seus asanas jamais teriam vindo à superfície.
Se trabalharmos com uma mente de pesquisadores, então ele tem certeza de que poderemos conectar a tecnologia moderna à sabedoria antiga e, com essa combinação, seria possível entender as variações de inteligência (atenção inteligente e conhecimento) e como elas trabalham. Guruji finaliza sua manifestação recomendando que pratiquemos com uma mente inocente e não desatenta, ou com baixa sagacidade ou preguiçosa. Há uma diferença entre inocência e ignorância. E esta é a razão pela qual devemos converter a indiferença em diferença, para a harmonia se estabelecer em nós.
Eyal acrescenta que se praticarmos todos os dias sem cairmos em uma prática mecânica, vamos receber algo novo todos os dias.
Namaskar e boas práticas!
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